Ubu-Ntu em todes nós!
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A possibilidade do uso do Ubuntu, como conceito analítico no campo da produção de conhecimento, poderia incentivar interesses humanitários, recriar outros modos de fazer pesquisas científicas, tendo por base uma filosofia genuinamente africana, além de religar trabalhos de responsabilidade social na transformação da realidade. Seria um projeto ontoepistêmico com atitudes/ações concretas de pessoas engajadas/envolvidas na crítica ao projeto colonial, moderno, patriarcal, racista e capitalista.
A lógica de pensamento ubuntuista não precisa de justificações diante das correntes ocidentais porque é uma cosmopercepção endógena conectada com a substância (essência complexa) africana. Não é uma criação endereçada a oferecer respostas aos determinismos de opressão europeia, é originária de um contexto comunitário bantu, tais como os Xhosas/Xhonas e Sesotho, em que a sua máxima “Ubuntu ungamuntu ngabanye abantu / motho ke motho ka batho” tem sentido de que ser humano, ser humanitário, possuir humanidade só pode se dá por meio de outros seres humanos.
Seu fundamento está no espírito de partilha e solidariedade que poderiam gerar atitudes/ações de reconhecer/valorizar o outro antes de si próprio. Se a substância inerente ao ubuntu tem primordialmente o sentido de humanidade, esta base poderia alimentar outros critérios científicos, nas suas diferentes perspectivas epistemológicas, ontológicas, teóricas, gnosiológicas e metodológicas, bem como as inúmeras áreas de conhecimento filosófico, psicológico, sociológico, dentre outras. Para Mogobe Ramose, um dos analistas do ubuntu no âmbito acadêmico, aprender a ética do Ubuntu poderia incentivar a afirmação da humanidade própria mediante o reconhecimento da humanidade das outras pessoas, constituindo relações humanas respeitosas.
Temos que nos perguntar sobre quais desafios enfrentamos ao tentar introduzir a cosmopercepção ubuntuísta nas sociedades modernas capitalistas, no contexto da formação de Estado, incluindo o próprio território africano de onde é originário. Não se trata de garantir a sua expressão originária nessa lógica societária neoliberal, individualista e dominada pela acumulação do capital, mas, tão somente que a filosofia ubuntu constitui uma possibilidade de fazer ciência com consciência libertadora e inspiradora de vivências humanizadas, reconhecedoras de valores civilizatórios que protegem a vida e a vida em comunidades (física e espiritual), um sentido humanitário aberto as vivências humanas dos outros conectadas com a natureza.
Assim, poderíamos pensar em pedagogias ubuntuístas como fluxo invertido de força e criatividade (entre o divino e a natureza) no sentido de nos libertarmos de nós mesmas/os, do SER colonizadora/or que cresceu e se estabeleceu em nós mesmas/os, criando uma aldeia global insensível e aprisionada na centralidade ou hegemonia do discurso da razão. Seria uma outra consciência, comunitária, dialógica e de abertura ao outro!
Por Raimunda Machado (PPGE/UFMA) - São Luís-MA/Brasil.
RAMOSE, Mogobe B. A ética do ubuntu. Tradução para uso didáticode: RAMOSE, Mogobe B. The ethics of ubuntu. In: COETZEE, Peter H.; ROUX, Abraham P.J. (eds). The African Philosophy Reader. New York: Routledge, 2002, p. 324-330, por Éder Carvalho Wen.