Radical Pedagogies

Trocas

Introduction

Pedagogias Radicais Do Sul: Construindo uma Solidariedade Transnacional entre UK e o Brasil são práxis pedagógicas que centram as epistemologias e cosmologias de populações marginalizadas. Essas pedagogias têm um princípio fundamental: criar espaços para o exercício coletivo da capacidade crítica e a transformacao intencional das realidades sociais para que sejam socialmente mais justas. 

Essas práticas originam-se a partir de uma produção de conhecimento Afrocentrada, tais quais a prática ubuntu – que pode ser traduzida em respeito e afeto coletivos, e das ideias de Paulo Freire - pensador e educador radical brasileiro, que advogou por relações de poder não hierárquicas no processo reflexivo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, essas práxis atiçam e permitem diálogos curiosos, mas também incômodos, capazes de identificar a origem de problemas socioeducativos e revelar as contradições e ideologias de opressão sociocultural, com rigor cognitivo e afetivo. Desvelam, na prática, as raízes de um pensamento colonial ainda prevalente.  

Pedagogias Radicais não surgem a partir de instituições acadêmicas, mas das vozes silenciadas de educandos e educadores comprometidos em desenvolver uma educação participativa e respeitosa em prol de justiça social. Essa troca participativa entre os diferentes coletivos se orienta por uma ética ubuntu, comprometendo-se com a compreensão das diferentes vozes, e respeitando as diferentes e necessárias partes que formam o todo enquanto grupo.  

Nessa secção, compartilhamos referenciais e recursos para sala de aula para todos aqueles que buscam implementar essas abordagens em suas práticas. 

Teatro Experimental do Negro (TEN)

Uma companhia teatral brasileira criada por Abdias do Nascimento que atuou entre 1944 a 1961. O TEN é um marco seminal na proposta de centralizar existências negras em narrativas de maneira a transformar produções dramatúrgicas em que pessoas negras não ficam confinadas aos paradigmas estereotipados da negritude. O legado do TEN se faz ao mostrar inesgotáveis possiblidades da existência negra sem precisar se render aos modelos escravagistas e coloniais. Trata-se de uma proposta abolicionista de narrar a negritude que ousa viver em seus próprios termos através da arte. 

Teatro do Oprimido

Um método teatral desenvolvido pelo dramaturgo brasileiro Augusto Boal trabalha o potencial de transformar a ação de opressão a partir de técnicas cooperativas entre participantes, visando superar situações de injustiça. A proposta transformadora do teatro do oprimido é fazer que a mudança seja criativa para pensar a importância de mudar o mundo a partir de si, em prol não apenas do enfrentamento das desigualdades, mas do desafio de pensar um outro mundo com outra mentalidade pela libertação. 

Tanto o Teatro do Oprimido quanto o Teatro Experimental do Negro se dialogaram em seu tempo entre Boal e Nascimento para recriarem caminhos de libertação e emancipação. No âmbito do projeto "Pedagogias Radicais do eixo Sul”, a proposta de desenvolver atividades e jogos vem de encontro a essas duas práticas de forma fundamentalmente antirracista. Ao dialogar com o Teatro do Oprimido e o Teatro Experimental do Negro, incorporamos a prática teatral no projeto como uma poderosa ferramenta de denúncia, enfrentamento e busca de libertação das opressões e injustiças sociais. 

Augusto Boal cria o Teatro do Oprimido durante práticas teatrais que praticou em seu exílio, após ser preso pela ditadura brasileira por censurar sua arte.  O seu fazer estava assentado na identificação das ideias, sensações e emoções sentidos pela plateia. Nas palavras de Boal, o teatro era “o espelho múltiplo do olhar dos outros.” Ao estimular a capacidade de pensar sensitivamente, auxilia no revelar dos nossos opressores internalizados. Ao oferecer às pessoas a possibilidade de falar, intervir e interferir na realidade cria-se a oportunidade humanizadora de perceber-se como parte de soluções, transformações e mudanças possíveis para o melhor de si e do todo. Nesse sentido, O Teatro do Oprimido é uma ferramenta de transformação social.   

Rodas epistemológicas

São ferramentas pedagógicas de criação de espaços de diálogo para a transformação social. Inspirada nos Círculos De Cultura, desenvolvidos por Paulo Freire, cujo objetivo era educar jovens adultos através da problematização da realidade e sua emancipação como sujeitos críticos, éticos e comprometidos com a transformação dessa mesma realidade (Figueiredo e Silva, 2021).  Como pedagogia radical do Sul, essa prática tem sido implementada em círculos de vozes epistêmicas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Educação Afrocentrada - MafroEduc . Através dessa prática, são promovidos exercícios de autorreflexão usando recursos dialógicos. Como dizem os povos Mende de Serra Leoa, quando duas ou mais pessoas interessadas numa questão conversam entre si, cada uma se torna mais sábia e poderosa.  

Esse exercício de ação reflexiva acontece por meio de um diálogo interessado e inquieto, por meio da leitura de mundo, dos sistemas de produção, das desigualdades sociocracias, gênero, raça, sexualidade, geracional, etc. Como estratégia educacional, ela favorece o desvelamento das ideologias de opressão sociocultural, como, por exemplo, o reconhecimento do mito da democracia racial.  

Rede de fios

Este é um exercício que aprendemos com Mama D Ujuaje durante um workshop parte da Jornada da Comida, organizado por dra. rashné limki no Jardim Botânico de Edimburgo em 2021. Nesse exercício, uma rede de fios é usada para coletivamente avaliar atividades, reflexões e aprendizados e juntes tricotar possibilidades ousadas de pedagogias radicais. Na prática, uma pessoa começa segurando um novelo de lã ou qualquer outro tecido/material e compartilha um comentário. Pode ser uma crítica, uma história sobre o que definitivamente não é uma pedagogia radical (porque às vezes definindo o que não é conseguimos clarificar o que é), ou um sentimento feliz, um momento que levou a uma reflexão, qualquer tipo de aprendizado/comentário, um sonhar diferentes passados/futuros/presentes, o que nós gostaríamos que uma pedagogia radical fosse. Qualquer coisa. Todos testemunham o que é dito e então a próxima pessoa levanta sua mão ou demonstra que quer falar de qualquer outra maneira. A bola é então jogada (gentilmente!) para essa pessoa e ambas as partes continuam segurando o fio diante deles – isso continua até que todos que querem falar compartilhem algo e a bola é retornada a quem começou a falar. Haverá um tipo de desenho no meio do círculo (ou sua geometria de preferência): essa teia de aranha é a criação física do trabalho emocional-intelectual feito pelo grupo. Idealmente, todos ajudam a desembaraçar os nós, já que ninguém deve ser sobrecarregado com a tarefa de organização.

Exemplo de atividade realizada no dia 3 do workshop em Edimburgo:

Gabriela: Pode ser uma crítica, uma história sobre o que não é uma pedagogia radical ou solidariedade porque ao definir o que não é, às vezes isso nos ajuda a definir o que é. Então, experiências que você teve, por exemplo “eu aprendi isso de uma maneira difícil”. Qual é uma maneira mais amorosa de aprender e trocar?

Qualquer coisa que você aprendeu nos últimos dias? Deve ser bem orgânico. Alguém diz algo, você não precisa levantar a mão ou nada disso. Outra pessoa começa a falar e então você joga a bola e continua segurando sua parte do fio. Agora, qualquer coisa que você queira dizer. O que surgiu na sua mente quando eu falei isso?

Contribuições

1. "Eu posso estar longe de casa e, ainda assim, me sentir em casa. Tem a ver com ser tratada com respeito, e saber que muitas das minhas ideias podem ser compartilhadas. Mas aqui foi um espaço muito, muito seguro, como você mencionou, a gente tem compartilhado, cada ume do seu jeito, como vivemos experiências de opressão, de se sentir marginalizade, ou de ter um legado colonial inscrito em nossos corpos. Assim, ser possível compartilhar isso me faz sentir como "irmãs de luta", de alguma forma. Desculpa, eu não estou falando um monte de coisas. Desculpa, é o que tenho para agora."   

2.  "Algo que chamou minha atenção foi como Raimunda e Edineia e as pedagogias radicais são bastante espirituais, ou baseadas na espiritualidade. É muito transformador, dado como a grande maioria das instituições ocidentais são construídas com base na racionalidade e ciência. Isso é parte de retornar aos nossos corpos e mentes que nos dizem para romper com essa lógica binária entre mente e corpo. Só assim podemos seguir em frente, em direção ao ser, como verdadeiros seres humanos, ao invés de fragmentos humanos."  

3. “Muito tocada e sensibilizada pela abertura das palestrantes. Embora, o tema possa ser um pouco técnico, às vezes...e todo esse lucro obtido pelas universidades. Há muito a ser absorvido. Muito obrigada."  

Falando nisso... 

4. Como podemos ser e estar sendo nossas versões verdadeiras nesses espaços de opressão? Acredito que este seja o maior desafio ao assumirmos a importância das pedagogias radicais, e ao tentarmos implementá-las. Quando ainda estamos lidando com partes nossas que ainda não foram curadas e integradas, mas que sabemos que estão lá. As pedagogias radicais demandam um amor radical e que precisam ser sustentadas e vivenciadas em nossas camas, quartos e contextos educativos.  

5. Dando seguimento à questão das instituições. Instituições como a Universidade de Edimburgo, que, embora tenha oferecido esse espaço, em geral, não nos permite utilizar de nosso tempo e espaço para fazer coisas assim. Na verdade, eu vejo isso como uma pedagogia radical: encontrar tempo e espaço para vir aqui falar sobre isso. É importante reconhecer que a maneira como essas instituições funcionam não nos permite ter tempo e energia de vir aqui fazer esse tipo de reflexão. Assim, acho que a coisa mais radical que eu fiz recentemente foi focar no meu PhD e vir aqui, hoje.  

6. "Quando começamos a dinâmica, o novelo estava cheio de nós. Para mim, foi um sentido figurado de começar a desfazer os nós do novelo. Nós estabelecemos vínculos, e também encontramos nossas dores e desafios. Ao estarmos aqui, ao tentarmos desfazer esses nós, isso é um meio radical de tentar encontrar esses desafios, nós, essas dores e coletivamente nos curarmos, em busca de um mundo melhor." 

7. Estou muito grata. O mundo, às vezes, parece um lugar muito isolado. Faz tempo desde a última vez em que estive em uma instituição, com tantos traumas, com tanto para curar. Estou profundamente tocada, sensibilizada com as histórias e o trabalho que tem sido feito. Me dá muita esperança saber que existem outras pessoas realmente desafiando tudo o que nos tem sido dito. Eu me sinto sem palavras, o que não é algo normal para mim. Esse espaço é um pouco terapêutico e algo sobre os círculos de compartilhamentos (rodas de conversa) foi bastante simbólico. Também existiram algumas conexões aqui, para mim. Ouvindo ambas as palestrantes falarem sobre a terra, sobre sentir suas origens ao colocar as mãos na terra e lembrar de onde viemos é disruptivo da forma de pensamento, aprendizado, e sentir ao qual estamos acostumados. E nos lembra de que somos seres integrais (holísticos) autorizados/merecedores de experienciar momentos de alegria e liberdade, e teve momentos em que eu realmente me senti assim aqui. Muitas coisas pesadas, mas, também espaços de muita alegria, amizade e oportunidades de se relacionar e interagir. Grata a todos.   

Referências

Abdias do Nascimento foi um grande escritor, ator, dramaturgo, professor universitário, político, e ativista de Direitos Humanos. Em 1944, cria o Teatro Experimental do Negro (TEN) no Brasil com o objetivo de oferecer um espaço cênico de protagonismo para os negros. Até então, não existiam atores e atrizes negras na cena nacional, e os papeis que lhes eram relegados eram caricatos, de opressão, como o de empregada doméstica, fruto de uma estética europeia que predominava no Brasil. Ao criar um teatro afro centrado, Abdias do Nascimento desenvolve uma práxis radical, rompendo com o pensamento colonialista a partir da “afirmação da capacidade do negro.” (Abdias). Nesse sentido, o TEN foi um elemento disparador para que outras práxis significativas irrompessem: o Congresso de Pessoas Negras, a Convenção Nacional do Negro e o Jornal Quilombo, que se constituíram como espaços de denúncia social, de resgate/promoção dos valores de matriz africana na formação da cultura nacional.  

Paulo Freire foi um pensador e educador brasileiro, aclamado por muitas publicações, entre elas o livro “Pedagogia do Oprimido”. A questão fundamental de Freire é romper com a noção de hierarquia de saberes e importância da aprendizagem contextualizada e em comunhão. Freire rejeita a ideia de que o professor tenha a propriedade do saber, já que todas as pessoas são detentoras de experiências e entendimentos. Em suas palavras “Ninguém educa a ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. Sua prática pedagógica de alfabetização de jovens adultos (EJA) tornou sua literatura uma ferramenta marcante para educadores de todos os âmbitos pedagógicos. O diálogo é palavra-chave como ferramenta de reflexão crítica, capaz de provocar as pessoas a se pronunciarem no mundo a fim de transformá-lo.   

Carolina Maria de Jesus foi uma escritora, poeta, e compositora brasileira. Seus escritos marcantes falam da realidade de viver no Brasil enquanto mulher negra enfrentando adversidades impostas pela sociedade racista, elitista e machista que ela se depara no dia a dia. A forma poética de sua escrita marcou história, e seu aclamado livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” se tornou o mais vendido no Brasil em seu ano de lançamento, em 1958. Carolina Maria de Jesus protagonizou seu próprio livro e as denúncias corajosas que fazia em suas publicações. Sua trajetória foi marcada pelo apagamento da elite branca brasileira, sendo deixada ao ostracismo até sua morte. Entretanto o resumo de sua vida não se dá pelas opressões e empecilhos causados pela supremacia branca brasileira, mas pelo legado de se negar a ocupar o espaço inferiorizado que constantemente lhe ofereciam, tornando-se a autora mais lida e traduzida de sua época. Quarto de Despejo foi traduzido para 14 idiomas e vendeu mais de um milhão de exemplares. Seus poemas, colunas, histórias, e livros são referências que embasam o projeto ao entender as manifestações artísticas com intenção de pensar outra-mente. Carolina nos inspira a exercitar o senso crítico e questionador da realidade, se fazendo presente nos exercícios reflexivos sobre descolonialidade do saber.  

Para além desses referenciais, este projeto também se inspiram em mulheres e seus protagonismos na formação de pedagogias radicais nas artes cênica e literária: Conceição Evaristo, escritora, poeta, pesquisadora, e linguista renomada cujas obras literárias abordam questões ancestrais e raciais no Brasil. Evaristo cunhou o termo escrevivência que expressa o desejo de registrar a vivência, a vida. E, Melissa Caminha, educadora, pesquisadora, palhaça Lavandinha, desconstruindo a noções biologizantes sobre a humanidade para dar espaços a existências complexas através do riso. Melissa integra um movimento recente de reivindicação da comicidade feminina enquanto categoria que englobe formas plurais de femininos, em suas variadas manifestações. Abaixo, elencamos outras fontes que nos inspiram: 

  • Audre Lorde
  • Lélia González
  • Luísa Mahin
  • Maria Beatriz Nascimento
  • Patricia Hill Collins
  • Suzanne Césaire 
  • Tatiana Nascimento
  • Glória Anzaldúa