Radical Pedagogies

Intervenções

Introduction

O Projeto Pedagogias Radicais Do Sul: Construindo uma Solidariedade Transnacional entre UK e o Brasil tem sido implementado a partir de uma lógica cognoscente centrada na existência do ser que valoriza os diversos saberes e experiências. A partir disso, desenhamos práticas alicerçadas em nossa realidade social objetivando a construção de pontes dialógicas entre culturas distintas, pensando além de nossas fronteiras geográficas para compartilhar o que chamamos pedagogias radicais

Neste sentido, até então, desenvolvemos atividades em Edimburgo, na Escócia e nos estados de Sergipe e Maranhão, no Nordeste do Brasil, uma das áreas de maior desigualdade social brasileira. Em Edimburgo, foi realizado um workshop durante 18 – 20 de julho, 2022. Em Sergipe, os eventos aconteceram entre 22 - 26 de Agosto, 2022, onde visitamos dois quilombos: Mocambo (SE) e Brejão dos Negros (SE); finalmente, fomos a São Luís (MA), entre 30 de agosto - 1º de setembro de 2022, e conhecemos o Quilombo Liberdade. Enquanto nessas localidades, foram realizadas reuniões de avaliação e vivências de pedagogias radicais para fomentar trocas e reflexões sobre implementação e eficácia de pedagogias radicais do Sul como ferramenta de empoderamento e transformação social. 

Workshop UK

Workshop realizado entre os dias 18 - 20 de Julho, 2022 na Universidade de Edimburgo, Escócia, Reino Unido, entre acadêmicos, ativistas e membros de movimentos sociais. Durante o evento, foram discutidos o significado das pedagogias radicais, seu potencial transnacional, e o desenvolvimento de estratégias relacionadas à produção de práxis educativas baseadas numa solidariedade sustentável entre educadores, fora e dentro da academia. Esse evento foi realizado de maneira híbrida (presencial e online). 

Workshop Sergipe (SE)

Evento realizado entre os dias 22 - 26 de Agosto, 2022 com a participação de lideranças quilombolas, indígenas e movimento negro, bem como representantes de escolas e acadêmicos. Em Sergipe, visitamos dois quilombos: Mocambo e Brejão dos Negros, e realizamos outras atividades de campo e reuniões onde discutimos, principalmente, sobre os desafios de uma educação anti-racista, ética do cuidar, educação escolar quilombola e seus desafios, assim como dos projetos políticos pedagógicos. 

Workshop Maranhão (MA)

Evento realizado em São Luís (MA) entre os dias 30 de agosto - 1º de setembro de 2022.  Foi um espaço para reflexões coletivas e criativas facilitando a troca de conhecimentos entre ativistas de comunidades tradicionais, membros de movimentos sociais e pesquisadores da academia. Durante esses dias, foram realizadas rodas de conversa e visitas ao Quilombo Liberdade, e ao Tambor de Mina. 

Vivências

Fala de Dona Josefa (workshop SE) 

“Para aqueles que não me conhecem, sou Josefa Santos de Jesus, casada, 64 anos, nascida e criada no Povoado Sítio Alto, Quilombo Sítio Alto, no município de Simão Dias. Antes, no começo, esse povoado não era chamado Sítio Alto. Por seu um povoado negro, fundado por negros, era chamado de "O Alto da Mulesta", "O Alto do Galo Assanhado", "O alto do Cacete Armado", o “Escorrega lá vai um”, tudo que era de nome feio, por ser um povoado criado por pessoas negras, pobres, analfabetas e que não tinham tanto conhecimento.  

Assim como tinha nome feio no povoado, o pessoal colocava apelidos nas pessoas de lá. Mas, mesmo assim, não era isso que tirava nossa luta e nem era isso que tirava nossa coragem de trabalhar, lutar e se movimentar. Esse povoado é conhecido como o mais pobre do município de Simão Dias, o Quilombo do Sítio Alto. Era um povoado pobre, mas que tinha sua inteligência, sua sabedoria, seu conhecimento, do jeito deles. Éramos agricultores, guardiães de semente, de saber. Tudo do jeito deles.  

Não tínhamos educação, sala de aula, saúde. A saúde éramos nós mesmos quem nos cuidávamos. Éramos acompanhados por parteiras, rezador, pelos mais entendidos, pelos mais velhos. Nós fazíamos do jeito que eles nos ensinavam. A mesma coisa com a nossa educação, não tínhamos sala de aula, mas tínhamos as nossas mães e parteiras que nos ensinavam que a educação começava desde o nascer da criança. Assim, quando a mulher ganhava nenê, a parteira já dizia: olhe, por três dias, essa criança vai dormir do lado da mãe, do lado direito, e se cobrir com o mesmo lençol, a mesma coberta que a mãe. Não era pra cobrir com outra coberta, pois ela dizia que o calor da mãe ajudava na educação e desenvolvimento da criança que já ia criando um laço de amizade, de amor com a família, com a mãe, com o pai, dentro daí. E depois, daí por diante, a educação continuava.  

Quando a criança nascia tinha aquele cuidado com o parto, com o umbigo da criança na hora de enterrar, com a amamentação das meninas, as crianças tinham que ser amamentadas pelas mães. Tudo isso fazia parte da educação que era pra criança já crescer com aquele sangue da mãe, com aquela amizade, com aquele calor da mãe, o cheiro da mãe, junto com ela, que era pra sempre ela criar essa amizade e educação.  

Todo mundo tinha que ter três tipos de educação. Tinha a educação vocacional, que já se nasce com aquela educação, de ser educado por si mesmo, de dar bom dia, ser manso, educado. Tinha a educação popular, que era a aprendida com a população. E a educação formal, mas, lá não tinha professora, então, a gente se formava do nosso jeito, nos quilombos, com a ajuda das parteiras. E, mesmo assim, todos eram educados. Todo mundo era manso. Quando o pai olhava, a criança já sabia com o olhar o que o pai queria. As crianças obedeciam.  

Éramos uma comunidade pobre, mas os meninos eram educados. Não tinha tráfico. A gente podia passar fome, aperto, cansaço, mas nossos pais nos incentivavam a cantar, a dançar dança de roda. Tinha que ir pra uma festa. Os pais eram rígidos. As moças não podiam arranjar namorado fácil. Os pais eram brabos, mas, como tinha dança de roda e o samba de coco, tinham essas brincadeiras, e era aí que o pai, pra garantir o bem-estar das crianças, das mocas e rapazes, levavam a gente para aquelas danças de roda, sapateado, história de trancoso, pra gente se divertir. Eram nessas brincadeiras de roda, que a gente se animava. A gente não tinha o que comer, vestir ou calçar. Então, o sapateado, a adivinhação, a dança de roda era a diversão. Quando as mocas chegavam lá pra os pais não perceberem que ela estava interessadas nos rapazes, elas cantavam. Por exemplo, elas estavam interessadas num rapaz, aí olhava pra roupa que ele estava vestido, e dizia assim: 

Ô menino de camisa verde me diga quem costurou 

Que eu quero botar meu nome no retalho que sobrou.” 

Aí, todo mundo que tava ali, respondia: 

“Ô siriri, ô meu bem ô sirirá, tomaram o meu amor e me deixaram eu sem amar 

Agora arranje outro, quero ver você tomar.”  

Aí, o rapaz de blusa verde se tocava que o que ela estava dizendo era com ele, e se ele quisesse ele respondia:  

“Ô menina me dá um beijo que teu pai não vai saber 

E aí depois de um beijo dado eu me caso com você.”  

E todo mundo que estava ali descascando o milho, raspando a mandioca, respondia cantando a mesma cantiga. Mas, também, se ela quisesse, ela continuava. Se ela não quisesse, ela dizia:   

“E sai daí pinto pelado, vai te lavar no runtulo,  

que as meninas só te chamam saboeiro do cabo duro.” 

Todo mundo ia cantando e dizendo o verso, mas eles sabiam o que estavam dizendo e fazendo. E se elas tivessem interesse, insistia:  

“E eu moço, Sr. José entre a roda vadiar, tive um verso de desprezo pra ninguém desconfiar.”  

E aí eles dançavam na roda, e começavam a dançar, e assim começavam os namoros e os pais nem percebiam que eles estavam interessados um no outro. Pois já era tradição da dança de roda.  

Esse era o tipo de educação que se recebia: cantando, dançando, se divertindo, trabalhando, uma ajudando o outro a viver. Até mesmo pra brigar, eles brigavam dançando.   

Muitas vezes, quando saíam as moças e rapazes para as danças, e tinha uma outra moça interessada no mesmo moço de camisa verde, ela dizia:  

“Eu tenho o meu vestido pra eu vestir noite de escuro 

Na terra de fuxiqueiro ninguém tem amor seguro.”  

E todo mundo respondia:  

"Ô siriri, ô meu bem ô sirirá, tomaram o meu amor e me deixaram eu sem amar 

Agora arranje outro, quero ver você tomar.” 

Muitas vezes, tinham os viúvos, cujas mulheres morriam cedo, que também iam pra roda pra se divertir e chegavam lá e dizia:  

“Ô siriri, ô meu bem ô sirirá, tomaram o meu amor e me deixaram eu sem amar 

Agora arranje outro, quero ver você tomar.” 

Aí eles ficavam por ali, alegres, vendo se alguém se agradava deles. Aí alguém se tocava:  

“Eu não me caso com viúvo nem que a corda dê um nó, viúvo tem um dizer que a finada era melhor.”  

Aí o viúvo ficava triste. E era assim. Assim a gente vivia. A gente passava fome, mas todo mundo era animado, alegre.  

Os pais ensinavam os filhos cantando assim na dança. Os pais davam castigo aos filhos, ensinava aos filhos, mas ajudava os filhos a se desenvolver com alegria. Mas tudo começava com o ritual do início do parto: a mãe tinha que dormir com o filho, com a mesma coberta, pois o calor da mãe ajuda no desenvolvimento dos filhos.  

Naquela época a gente não precisava de muita coisa. Era na cantiga. Naquele tempo, problema de pressão, de nervos, à noite ia pra dança de roda, e no cântico, na batida do tambor, naquele toque, naquela pisada, ia chegando uma energia positiva, a dor nas pernas já tinha saído, a dor na cabeça já tinha endireitado, o coração já tinha parado de acelerar.  

A gente fazia, vamos tomar um chá de capim santo. Chega, vamos! Lá tinha chá pra tudo. Cada chá tinha o seu jeito de tomar. Vai tomar chá para que? Pra pressão? Tinha a hora e o jeito de tomar, de acordo com a doença. Tinha também que pra tirar um remédio, marcava a data da lua: tomava na boca da noite, bem cedinho. O povo era cheio de ciência. E, assim, nós crescemos, na cantiga, na dança, contando história. Graças a Deus, na vista do que já fomos e passamos, hoje somos ricos.  

Faço questão de contar isso para os jovens. Os jovens de hoje têm tudo: escola, sala de aula dentro do povoado, posto de saúde. Vai pra escola com pasta, com caderno, arrumado. Do jeito que vai o pobre, vai o rico. E ainda tem criança que não quer estudar. E, na minha época, eu chorava porque eu queria estudar, mas não podia, pois ia trabalhar com meu pai com sete anos de idade, na roça, plantando capim, feijão, manaíba, fava. Eu com cinco anos de idade, meu pai mandava eu ir fazer fogo. Hoje, se for fazer isso, o povo diz “ave maria”. O pai levava pra roça dentro dos caçuá. É bom quando o filho aprende com o serviço do pai. Eu gostava tanto de aprender com meu pai. Se meu pai não tivesse feito isso, eu não saberia como guardava a semente, eu não teria no meu banco de semente feijão preto, branco, rosinha, vermelho, come calado, fofo na serra, feijão de corda. Tudo que tenho lá aprendi com ele: que tudo tem que ser guardado. Ele dizia “quem guarda tem”. E quando você guarda a semente pra você plantar, você não vai comprar a semente no inverno cara. Eles também tinham medo da semente do governo, não sabia de onde a semente vinha, quem trouxe, de que é aquela semente, se vai vingar.  

Naquele tempo, todo mundo fumava por conta da cultura do algodão. E tinha um mosquito que atacava a gente. Tinha que fumar. Mas a gente sabia de onde vinha aquele fumo. Todo mundo aprendia junto. Trabalhava. Hoje, ninguém fuma, mas, naquele tempo, a maioria fumava, mas só usava aqui dentro o que eles sabiam. Naquela época não tinha esse negócio de dizer “ah, por que é menino de menor”; não, todo mundo trabalhava. Era um tipo de educação que eles estavam ensinando os filhos a fazer o que eles faziam. Eu agradeço a eles. Hoje, eu sei o que é farinha, aipim, como faz com o aipim, que não pode quebrar a folha antes de arrancar.  

Naquela época, sobre a saúde, eles diziam que não adiantava eu dizer que eu queria tomar injeção, comprimido, fortificante, se eu não tivesse uma boa alimentação. Por isso, todos os alimentos – milho, feijão, tinham de ser plantados. A gente tinha que ser alimentado com toda aquela variedade de sementes, cada uma tinha uma função no organismo da gente. Um fortalecia o sangue, o outro fortalecia os nervos, o outro subia pra o cérebro. E por aí já ia. Caldinho de feijão quente bem cedo pra matar anemia, pois remédio frio não mata anemia. Eles tinham esse tipo de coisa. Eles eram analfabetos, mas eles tinham o conhecimento deles. Ah, hoje a mulher estava triste por que deixou o marido, vai tomar remédio pra nervo? Não. Deu depressão? Vamos fazer uma roda. Ainda assim, o ex-marido ia pra lá tentar, aí ela cantava:  

“Eu acabei tá acabado, e acabei pela uma vez 

 que eu não sou feijão de corda que se ama duas vez.”  

E o ex-marido respondia:  

"Ô siriri, ô meu bem ô sirirá, tomaram o meu amor e me deixaram eu sem amar 

Agora arranje outro, quero ver você tomar.” 

E assim continuava:  

“Já te quis não quero mais 

Já te dei meu desengano 

Para mim tu já morreu, sexta-feira fez um ano.”  

E assim o marido que tivesse atrás daquela pessoa tinha que sair. E a gente ia cantando, se animando, conservando os nervos, coração e até evitando uma briga corporal, porque as nossas brigas, mais fazia mais assim na dança, e dançando a pessoa se entretia.  

Ah, e tudo que a gente fazia era na penitência. Por exemplo, se o parto da minha mulher for bom, eu vou vestir as meninas de mordoma, de branco, de anjo, e nós vamos visitar a santa Cruz, a igreja. Quando era na semana santa, as sete semanas, a gente fazia uma visita no povoado todo, rezando. Tinha uma reza que dizia assim: “abra a porta gente que já vem Jesus, e ele vai cansado do peso da cruz.” E o povo mangava de mim. E dizia: já parece com tu! A gente fazia isso no nosso povoado.  

Dentre as rezas, as danças, as cantigas, histórias de trancoso, e mais coisa - os defumador, as rezadeiras, pois tinha rezador pra tudo. Dentro do nosso povoado tinha reza pra tudo que você pensasse. Se caía, pra dor de cabeça, de cuia, de frasco, de turrão, dos galhinhos de maníla. De tudo a gente rezava lá. Até hoje, foi quem nos garantiu. Hoje, eu vejo as pessoas: ah, não pode ter rezadeira, parteira. Foram as parteiras e rezador, os galhinhos de folhas, as cascas de pau quem nos trouxeram vivos e nos curou.  

Precisamos valorizar tudo aquilo que nos dá coragem! Precisamos valorizar nossa semente crioula, nossa semente sem veneno. Porque veneno mata! Não adianta dizer, assim, hoje vou colocar um milhão no meu bolso, mas, amanhã, se você adoecer, aquele um milhão não paga seu remédio.  

Muito obrigada e um bom dia para todos. E, depois, quem sabe, tem mais coisa!  

Provocações

Por que é importante estarmos aqui e contar nossa própria história?  

"O que pensamos quando escrevemos esse projeto juntas e contactamos as professoras Edineia e Raimunda? Como podemos tecer uma ideia ou negociar de uma forma diferente o significado do que seja Pedagogia Radical? Como a gente educa um ao outro de uma forma subversiva? Não hegemônica, sem reproduzir violências, sem ser baseada só na universidade? Como podemos criar uma conversa, um diálogo entre as comunidades tradicionais e ativistas que possam ensinar e contribuir? O que significa a gente se educar?  

Quando a gente pensa em pedagogias radicais, coletivamente, a gente vai pensar em obstruir a ideia de validar conhecimento somente a partir de uma perspectiva: a eurocêntrica. O problema dessa perspectiva é que ela usa a si mesma para universalizar ou inferiorizar o conhecimento. E isso gera um problema, pois, quando a gente conta a nossa própria história, ela não é validada como conhecimento, como conhecimento científico ou ciência. Nesse caso, o que é pesquisa neutra? O que é ciência?  

Essas narrativas são histórias, ou não contação de histórias.  

Tudo isso contribui pra entendermos a razão de estarmos aqui e pensar sobre como validar novas formas de conhecimento. Temos a intenção de ocupar uma nova linguagem, de entender os parâmetros de uma linguagem acadêmica. A forma como a gente ocupa essa linguagem tem de ser subversiva, sem as regras eurocêntricas, que permita que a gente conte nossa própria história como validação de histórias, de conhecimento e educação. Mas como traduzir essa linguagem antirracista? Como traduzir dentro de um ambiente diferente sem reproduzir aquela violência? Esse é um exercício constante. Como a gente se inspira pra chegar num futuro decolonial sem falar sobre o racismo, sem ser apenas uma contra narrativa? Ou seja, sem ficar repetindo o lugar do não ser? Como educamos para desmantelar? Tirar o manto, revelar, denunciar o processo decolonial. Como educamos para subverter? Como educamos para cuidar? A ética do cuidar é antirracista? Como recuperar o amor que ficou do lado do Atlântico na África? Como educamos para sermos surreais? Ousar sonhar, viver o surreal, entrar em contato com a nossa essência, e deixar as formas condicionadas que o colonialismo nos ensina a pensar de uma mesma forma determinada. A gente rompe com o pensamento e entra no surrealismo. Como educamos para ser Amefricaladina? Como educamos para ser quilombo? Como educamos pela soberania alimentar e do território, como Dona Josefa faz?  

Há teorias que falam que precisava ter havido o colonialismo para que existisse modernidade. Mas como a gente se liberta de reconhecer essas contra narrativas de poder, no nosso tempo, contar nossas próprias histórias, sonhar as histórias da diáspora negra? Existem semelhanças que atravessam nossos corpos, e por isso, podemos tecer essa transnacionalidade, uma visão ampliada de que somos esse Atlântico.

Por fim, precisamos tecer essa solidariedade, ocupar essa linguagem.

Como vemos e vivemos o mundo? Nenhuma linguagem é neutra! A nossa linguagem precisa ser intencional para redefinirmos paisagens. Fazer uma ocupação.

“A gente faz uma dupla negação para estarmos e reconhecermos nossa existência". Precisamos sair da concepção binaria do que é o mundo e o ser humano, enquanto desvendamos as verdades possíveis.  

Fala da Dra. Katucha Bento 

Depoimentos de participantes

Resgate da memória afetiva de Soraia Lima Ribeiro de Sousa (Maranhão)

"Entre os dias 30 de agosto e 01 de setembro de 2022, tive a oportunidade de apresentar a pesquisa de dissertação intitulada “África em Nós: saberes ubuntu na formação inicial docente no curso de Pedagogia UFMA/Campus Codó”, sob orientação da Profa. Dra. Raimunda Machado, no Workshop Construindo Solidariedade Transnacional: pedagogias radicais do Sul, São Luís/Maranhão/Brasil. 

Especificamente, em relação a minha pesquisa, as discussões no workshop me levaram a refletir as contradições presentes no processo de formação inicial docente a partir do que chamamos na pesquisa de pedagogia ubuntuísta.

Coletivamente, o diálogo construído, a partir das diversas pesquisas apresentadas, possibilitou aprendizagens únicas que nos levaram a refletir sobre como podemos construir epistemologias, práticas e pedagogias outras que sejam radicais, decoloniais, trans, modernas, ubuntuístas e que continuem a promover esse diálogo intercultural e transnacional, nos nossos territórios e ocupações cotidianas.

Este (re) encontro e o diálogo que se deu a partir dele, possibilitou encurtamos distâncias e confrontarmos realidades múltiplas, seja na diáspora africana no Brasil, seja na diáspora brasileira na Europa, assim compreendemos que muitos dos nossos enfrentamentos e as estratégias de sobrevivência em territórios outros podem nos levar a construirmos, cada vez mais, solidariedade transnacional. Ubuntu!" 

Depoimento da aluna Tamires Souza Menenzes, formada em Licenciatura em Química 

"Participar do workshops foi enriquecedor para minha formação acadêmica e pessoal, visto que estava fazendo um trabalho de conclusão de curso com voltada para educação quilombola. Os diálogos desenvolvidos com os professores e as pesquisadoras serviram para mostrar como é na prática a educação nas escolas quilombolas e o quanto as pesquisas e esses eventos são importantes para buscarmos uma educação de qualidade que valorize os conhecimentos e cultura do povo quilombola, que esses conhecimentos. Assim, contribuindo na formação acadêmica e na escrita do TCC.

Já para formação pessoal foi impactante pois nessas visitas conseguir fazer uma conexão com meus ancestrais fortemente, pois o contato com a cultura e religião mostrou um lado afrodescendente que foi escondido pelo catolicismo e pelo meio social do qual vinha. Foi a parti do workshops que passei a estudar e seguir as religiões de matrizes africanas e conectar-me com minha ancestralidade. Além de, florescer o sentimento de pertencimento e a força para continuar a pesquisar e lutar sobre os direitos do povo quilombola."

Depoimento da professora Edineia

"O preconceito faz isso com a gente, faz a gente imaginar que o lugar que a gente vai encontrar na Europa é sempre um lugar de opressão. Eu estava com medo de não me sentir em casa. Alguém aqui antes falou de casa. E eu me senti em casa aqui. Aqui, eu fiz e disse coisas sobre mim mesma que eu precisei vir de tão longe para deixar escapar, sair, externalizar. Penso que tudo isso é aprendizagem, porque pra se ter pedagogia radical, a gente precisa amar e confiar. E a consciência colonizada, a primeira coisa que faz é enxergar o amor e a confiança entre nós. E depois a gente tem que reaprender coisas da infância que a gente perde na escola, que deve ser um lugar de cultivo do amor e da confiança. E isso faz com que a gente se distancie e sinta medo das pessoas. E nós deveríamos ter. É como se tivemos que caminhar numa areia movediça que a qualquer hora pode nos tragar. Então, isso faz com que você se sinta uma tartaruga, que tem a casca bem dura, parece que estamos protegidos, mas não estamos. Lá dentro, a gente está ferido e magoado. Então, a pedagogia radical devolve o amor e a confiança que a gente perde com a consciência colonizada.”

Depoimento de participantes do workshop no Reino Unido

" Não consigo achar as palavras. Tenho muito para absorver, mas foi muito bom ouvir sobre solidariedade. Tenho muito a refletir sobre como vou incorporar esses ensinamentos à minha prática."  

"Para mim, isso é pedagogia radical: encontrar tempo e espaço para vir aqui discutir sobre esses temas. Eu acredito que todos já reconhecemos que não nos é dado tempo e espaço para falarmos sobre isso. Não nos sobra energia para vir aqui conversar sobre todas essas coisas. Então, acredito que a coisa mais radical que eu já fiz recentemente foi focar no meu doutorado e vir aqui." 

"Estou muito grata de estar aqui. O mundo costuma ser um lugar muito isolado. Fazia tempo que vinha a uma instituição e me sentia tão tocada pelas histórias e pelo trabalho que vem sendo realizado. Nos dá tanta esperança saber que outras pessoas estão lutando contra o status quo. Eu estou sem palavras, o que não é comum para mim. Esse espaço foi meio terapêutico, e algo sobre o compartilhar em roda foi simbólico. Eu me senti conectada. Ouvir ambas as palestrantes falarem sobre a terra, barco, sobre sentimento de se conectar às próprias raízes, colocar a mão na terra e lembrar de onde se vem foi disruptivo da forma comum de pensar, sentir, e me lembrou de que somos seres inteiros merecedores de experimentar alegria e liberdade. E houve momentos em que eu senti isso nesse espaço. Coisas pesadas, mas muitos momentos de alegria, amizade e troca. Muito grata a todos!"